sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

o faroleiro - IV

De manhã, enquanto retornava ao farol, observei uma verga apoiada sobre um mastaréu e uma parte das obras vivas um pouco mais afastada. A maré jusante fez com que revelasse tais estruturas chegadas até aqui durante o preamar. Mais perto verifiquei um cadáver debaixo de toda a regeira, tinha enrolado em seu corpo a linha de vida; vã tentativa de sobreviver ao naufrágio. Detive-me no rosto por onde pequenos caranguejos e outros parasitas atravessavam seus orifícios, o corpo estava inchado; um ou dois dias boiando na maré enchente.
De tudo que chega durante os provimentos quinzenais, faltam vestimentas. Há mais de anos notifiquei ao meu superior, porém nunca nada é feito e por isso costumo proceder da forma como narrarei.
Removi uma parte da estrutura de modo que pudesse recolher a roupa do defunto; coserei as feridas do tecido, lavarei e utilizarei durante os meus serviços. Este aqui agora em minhas mãos não se encontra tão danificado, serão necessários poucos ajustes. O cheiro da deteriorização dos órgãos é nauseoso, no entanto já não me provocam tantas ânsias de vômito como outrora.
Deve haver quem pense ser bonita a vida assim como vivo, isolado, longe de todos os malefícios da humanidade; não sabem que a aqui convivo também entre os piores fantasmas, os piores seres que projeto a partir de cada corpo humano encontrado.



2 comentários:

o choro da formiga disse...

eu amo teu faroleiro, cheio de vida sabendo-se mar.

Joana Rabelo disse...

continua....

raso

qual atalho, uma curva pro caminho do sossego - mas no fundo é raso; água bate no joelho nada - não é nada nunca foi tão fácil contud...