Linhas de pipas tecem teias pelo telhado e nos portais das portas que dão para fora. As crianças dos becos passam o dia todo das férias mirando o céu e correndo atrás dos pássaros de papel. São todas de uma cor torrada, horas e horas debaixo do sol – acordam já com as cabeças nas nuvens.
E é uma gritaria que só, uma correria danada: é minha! é minha! - Um sacolé numa das mãos e na outra a linha presa com uma pedra, marimba.
Um azul desabusado, dia lindo de praia. E as crianças que nada! mergulham fundo no sonho de voar que deve ser ou ter a mesma sensação de nadar, mas ao contrário e sem precisar segurar o nariz. Não são os mesmos meninos do tempo em que eu era pequeno, quieto e ingênuo, porém assemelham-se bastante, diria até que talvez sejam as mesmas, talvez o tempo no beco não tenha passado e nunca faça girar o relógio; seja ali, muito provavelmente, a Terra do Nunca.
Pés no chão, mãos grossas de cerol protegendo os olhos da luminosidade. Miram obsecadamente as estampas coloridas em papel de seda barata que sobrevoam, que sobrevoam, que sobrevoam...
Ainda há pouco, enquanto lia um livro de adulto escrito num português quase alemão de tão dificil e metido a besta, ouvi um barulho de galinha ciscando no cimento. Era o “homem-aranha” de cabeça para baixo, as arestas da pipa batendo no chão e a rabiola embolada e o restante da linha enrolada na fiação de telefone; parecia passarinho tentando voar. Não precisei esperar muito para observar duas mãozinhas com as unhas sujas trepadas no muro, depois os olhinhos arregalados e o nariz assustado compondo um apavoramento com a sobrancelha:
-Tio, pega aí pá mim!
Recomendei calma; para que tivesse calma e descesse do muro. Observei que as pipas nascem rapidinho, todo dia tem uma nova no céu. Gugu abriu um sorriso-moleque. Não lembro dele quando bebê – nasceu crescido, na idade das travessuras; era o terror do beco. No carnaval passado, enquanto corria vigiando a pipa que cortara e seguia planando, foi atropelado por uma kombi. Meti a cabeça na janela procurando o motivo do estrondo. O trânsito estava confuso, como era e continua sendo comum na época do momo. O pequeno surgiu sangrando entre os carros e continuou o trajeto rumo à lagoa onde se limpou e resgatou o papagaio pela rabiola. Uma semana depois vi Gugu todo enfaixado e com gesso numa das pernas – ficara uns três ou quatro dias internado.
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