Tinha os olhos molhados e rabiscos de linhas na face por conta das lágrimas que desciam pelas bochechas até o queixo, algumas respingavam no chão, outras resvalavam na camisa que estava abotoada até o pescoço. O diabo adentrou o portal da paróquia bradando pelo padre.
-Estou sufocado, seu padre!
-Desabotoe a camisa, meu filho. Com certeza terá um pouco de alívio se assim proceder.
Durante a fala do sacerdote, pode contemplar o rosto do anjinho aos pés da Virgem Maria da Medalha Milagrosa e sentir o bafo silencioso dos incensos queimados em antigos rituais. Um azul celeste era projetado por um dos vitrais e varria o chão, um outro vitral coloria em tons diversos a parede oposta.
-Pois então, diga-me o que tanto o aflige a ponto de pedir repouso nas mãos de Deus.
-Antes de mais nada, peço perdão.
-Aqui é como se fosse um hospital, vejo que o seu caso é de urgência. Cristo morreu na cruz por todos nós, há de lhe perdoar independentemente do delito.
O capeta mostrou as chagas em suas mãos e pescoço tomando bastante cuidado pois ainda sentia muitas dores. Com movimentos lentos e imprecisos levantou a camisa exibindo o que parecia ser uma grande ferida na barriga.
-Quando acordei, ainda meio cambaleante, aproveitei uma poça para poder observar o meu estado. Qual não foi a minha surpresa quando me deparei com o próprio cão olhando nos meus olhos - os órgãos que me olhavam eras os meus, as minhas próprias retinas, como se no fundo estivesse eu mesmo a meter um grande susto em mim. Meu braço esquerdo se levantou numa tentativa vã de segurar as feições que esboçavam um apavoramento na água suja.
Com um leve sorriso nos lábios, o padre solicitou paciência. Foi até a sacristia, retornando após alguns instantes com um bacia de metal e um vaso bojudo de cerâmica. Ao receber água, as feridas do agonizante sumiram. Com o auxilio do retalho da roupa de algum santo, o padre esfregou todas as marcas avermelhadas do aflito homem.
- Não turbe o vosso coração, credes em Deus e em mim. Há muitas moradas na casa de meu pai. Bem-aventurados os que vertem lágrimas pois serão consolados. Você já está limpo pelas palavras que proferi.
Enquanto mirava a sua imagem no fundo da bacia a partir do espelho de água turva, o homem verificou que não tinha mais a cor do tinhoso. Escutou uma canção e a princípio, pensou tratar-se dos sinos da igreja tocando as horas do meio dia, entretanto algo vibrava no bolso da calça – era o toque polifônico do celular.
Parecia acanhado quando terminou a ligação. Acenou para o padre e desapareceu na luz que vinha da porta principal da igreja.
-Vai-te, e não peques mais. - Murmurou o servo de Deus.
Um comentário:
fiquei até com medo de pecar e ficar com a cor do tinhoso!
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