sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

nocturna moth

Ela está chegando. Sinto o cheiro do cigarro ordinário que costuma comprar. Toda vez que vem meu mundo desmorona e descumpro tudo que a mim mesma havia prometido; esqueço. Amanheço com ela entre os meus braços e em minha boca o gosto amargo de suas doces palavras; seu sexo.

Já escuto os seus passos pelo corredor, daqui a pouco tocará a campainha. Não. Deixei de pegar de volta a cópia da chave. A minha primeira atitude tem que ser essa. Falta coragem para exigir que me deixe em paz. De louca já basta eu. Não posso escutar passivamente os seus lamentos, seus papos de amores frustrados ou sua revelação - ou seria revolução? - sexual tardia. Queria apenas poder abraçar e trocar carícias e dividir responsabilidades. Quando menos esperei, quanto mais avancei, deixei-me a caminhar solitária por sentimentos - falo baixo - amorosos. Em menos de um mês já estava com ela protegida pelas sombras das teias das aranhas; descobrindo cada canto da minha casa. Ela disse que aqui é o nosso ninho de amor e que talvez para mim as lembranças sejam mais fortes. Ninho de amor é cafona, quanto ao resto ela está certa.

É desesperador o cheiro do cigarro dela. Impregnou a sala, o banheiro, o quarto. É um olor abafado, mas que agora está forte - ela vem. Barulho de asas que cessam de bater e na porta do quarto o seu vulto. Ela acende a luz e diz que me admira."Incrível como tudo está da mesma forma, tudo no mesmo lugar desde quando fui embora." Para dentro de mim digo que nada foi mexido para que eu não perdesse a lembrança daquilo que havia entre nós - e continuo ainda mais para dentro - desde ontem, sabendo que hoje você voltaria.

Arrumei forças para esboçar um sorriso e perguntei se estava com fome. Sinceridade tem hora, poderia mentir e dizer que não. Fomos para a cozinha. Não conseguia olhar em seus olhos. Preparei uma limonada suíça. Ela tomou dois copos, eu fiquei sentindo o gosto do primeiro. Queria que sumisse da minha frente o quanto antes.

Bebi um copo d'água e me tranquei no banheiro. Estava perdendo a minha casa para uma estranha. Sim, uma estranha. Quem é essa outra aí que de repente me invade, diz me querer e balbucia muitas outras coisas em meus ouvidos? Nunca fomos amigas e não quero ter essa amizade. Quero sexo e amor e não amor sem sexo.

Desatranco a porta enquanto escovo os dentes. Vejo uma mulher sentada na sala lendo um livro. Meus livros. Sua sombra. É agora. Enxaguo a boca, fecho o registro.

Digo: Você joga comigo sempre na defensiva e acaba revelando o que temo.

Ela movimenta os músculos da bochecha esquerda num "hã?".

Repito: Você joga comigo sempre na defensiva. - De queixo para o alto, assoprando a fumaça. - Acaba assim revelando exatamente o que temo. Segue o seu rumo. Vai embora! Hoje não tem cama, não tem carinho, não tem sexo, não tem nada. Não esqueça de deixar a chave sobre a mesa. Bata a porta quando passar e exploda. Acabou o que nunca existiu.

Depois grito e suplico que retorne. Ela bate as asas e entra pela janela. Preferia que não voltasse, que seguisse o rumo solitária e magoada comigo. Mas não. Estamos nós duas, uma de frente para a outra. Permitimos o beijo e lambemos nossas lágrimas.

Apagando a luz. - era assim que mamãe dizia que os insetos noturnos desapareciam.

De manhã, nós duas nuas e abraçadas. Meus olhos abertos - pena de borboleta; quando começa a estender sua beleza no mundo, morre.



publicado em 10 de abril de 2009

Um comentário:

Adriana Godoy disse...

Rafael, fiquei encantada com seu texto. Me surpreendeu. beijo

raso

qual atalho, uma curva pro caminho do sossego - mas no fundo é raso; água bate no joelho nada - não é nada nunca foi tão fácil contud...