terça-feira, 16 de junho de 2009

Elogio das lágrimas

CHORAR. Propensão particular do sujeito apaixonado a chorar: modos de aparição e função das lágrimas nesse sujeito.

1. (...)

Por que a "sensibilidade" se transformou em dado momento em "pieguice"? As imagens da virilidade se modificam; os gregos, as pessoas do século XVII choravam muito no teatro. Segundo Michelet, São Luís se lamentava por não ter recebido o dom das lágrimas; certa vez, tendo sentido as lágrimas lhe escorrerem docemente pelo rosto, "elas lhe pareceram tão saborosas e tão doces, não só ao coração mas à boca".
(Do mesmo modo: em 1199, um jovem monge pega a estrada para uma das abadias de Cisterciennes, no Brabant, para obter através de preces o dom das lágrimas.)

(...)

2. (...)
adapto minhas maneiras de chorar ao tipo de chantagem que pretendo exercer ao meu redor através das lágrimas.

3. Ao chorar, quero impressionar alguém, pressioná-lo ("Veja o que você faz de mim"). (...) as lágrimas são signos e não expressões. Através das minhas lágrimas, conto uma hintória, produzo um mito da dor, e a partir de então me acomodo: posso viver com ela, porque, ao chorar, me ofereço um interlocutor empático que recolhe a mais "verdadeira" das mensagens, a do meu corpo e não a da minha língua: "Que são as palavras? Uma lágrima diz muito mais".


Barthes, Roland - Fragmentos De Um Discurso Amoroso - Editora: Francisco Alves - 15ª edição - tradução: Hortênsia dos Santos.



Um comentário:

raso

qual atalho, uma curva pro caminho do sossego - mas no fundo é raso; água bate no joelho nada - não é nada nunca foi tão fácil contud...